Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares: outubro 2007

quarta-feira, outubro 31, 2007



Abstraindo a vaidade .



''vaidade, tudo é vaidade'' (Eclesiastes)

A primeira coisa que fazemos quando acordamos é nos olharmos no espelho.Geralmente a imagem não é muito agradável. Lavamos o rosto, nos penteamos, tentamos nos recompor, enfim. É a evidência mais primária daquilo que nos alimenta: nossa vaidade.
Nossa vida toda é calcada nesta metáfora elementar.Tentamos nos recompor, através de nós mesmos, para nós mesmos e para os outros, do caos sem sentido que é a vida. Nunca nos satisfazemos. O mais narcisista, o mais egocêntrico dos seres nunca está plenamente satisfeito consigo mesmo. A satisfação é a própria morte.
A vaidade é a base primitiva do próprio artista.Sejamos francos: o mais culto dos seres não sabe muita coisa além de si mesmo. É a partir de si próprio que um artista interpreta e INVENTA o mundo. Não há escapatória deste narcisismo elementar a que estamos condenados, e de que um artista se alimenta.
Mas passemos da mais nobre das funções para uma mais baixa: a de jornalista. Em princípio, um jornalista deve ser uma ponte, uma condução à informação. Aparentemente, nada menos narcisista, não? Nada mais falacioso, meus caros. Alguém que detém o poder da informação tem a ânsia de interpretar o que vê, de dizer, do seu ponto de vista, o que é o mundo.Tão narcisista quanto um artista, mas certamente mais inocente e ingênuo, e por isto mesmo mais perigoso (no pior sentido da palavra). Não existe objetividade.O universo é construído de um enorme ''sujeito'' estilhaçado em bilhões; um mundo de subjetividades únicas e distintas.
O caos, então? Não. Há apenas uma maneira de nos libertarmos deste universo de incomunicabilidades. Através do amor. Reparem: a única vez que conseguimos nos libertar de nós mesmos é quando amamos alguém.Quando nos apaixonamos. E esta pessoa a quem amamos torna-se para nós mais importante do que nós mesmos. E o que importa se somos todos seres solitários? Compartilhemos então nossa solidão, nossos egos, nossas vaidades. A generosidade da arte reside justamente aí, nesta vaidade compartilhada, doada, comunicada a todos. Que se dane a objetividade. Entreguemo-nos como sujeitos que somos.
É preciso ler com mais cuidado o mandamento cristão que diz que devemos amar o próximo como a nós mesmos. COMO A NÓS MESMOS. Primeiro é preciso aprender a SE amar antes de amar os outros, ou seja, a vaidade é intrínseca ao amor. Se nos libertamos de nós mesmos ao amarmos nossas (os) parceiras (os), é porque este amor é fruto de nossa própria personalidade. O objeto amado não é mais fundamental do que aquele que ama. E isto sem falar das vezes que amamos sem sermos correspondidos.
Mais que um instinto, maternal, sexual, o que seja, é preciso lembrar que, sim, escolhemos a quem amamos. O que é urgente é que saibamos ampliar esta escolha. É que aprendamos a amar como os artistas, reparo, com os VERDADEIROS artistas, não com meros fabricantes de entretenimento. Invejo os artistas porque eles, com seus narcisismos, com suas megalomanias, são os únicos que sabem amar realmente. Através, e unicamente através deles mesmos. E que amor!