Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

quarta-feira, abril 26, 2006

A simpatia do fracasso

O sucesso pode fascinar as pessoas mas o fracasso angaria muito mais simpatia.O primeiro grande e suposto fracassado da história ocidental é Ele mesmo, o próprio Jesus Cristo.Ora,segundo os padrões vigentes de sucesso à época(e de agora também), não se pode chamar exatamente de bem sucedida a trajetória de alguém traído, abandonado e crucificado pelo seu próprio povo.O sucesso de Cristo foi justamente o proveito metafísico que tirou de seu suposto fracasso material , transformando este fracasso em sucesso metafísico.
A verdade é que o fracasso alheio nos é simpático.Sempre.Quer seja por razões psicológicas, sociais, religiosas, sempre tendemos a nos projetar com a derrota dos outros, justamente porque nos inspiram um sentimento de harmonia, de companheirismo tácito entre derrotados, que obviamente estão sempre em número mais vantajoso que os bem sucedidos.Mesmo os mais bem sucedidos têm suas vidas eivadas de pequenas ou grandes perdas.O fracasso é, em menor ou maior grau, o substantivo mais democraticamente distribuído entre todos os seres.Por isto esta identificação coletiva com o fracassado. O fracasso sociabiliza, o sucesso aparta.
O fracasso não é necessariamente epopéico, como o de Cristo, mas é invariavelmente tragicômico, como a vida em si(que os mais pessimistas dizem ser O fracasso em si).Senão vejamos:o princípio e a base de toda a comédia é o fracasso.O humor é oriundo do fracasso.Pode haver drama em uma história de sucesso ou de derrota, mas o humor jamais admite o sucesso.Não há graça em um presidente da república que se elege, em um herói que vence uma batalha ou em alguém que acerta na loteria. O humor, a graça estão sempre do lado dos derrotados.Não foi à toa que Dante batizou sua obra prima de ‘’A divina comédia’’ , ou que Balzac tenha batizado sua série de romances de ‘’A comédia humana’’.Ambos os autores tratavam, sobretudo, de derrotados.Chaplin e Woody Allen fizeram de seus tipos únicos e característicos epítomes dos fracassados.O sucesso de ambos foi extrair o sucesso através da representação de suas perdas.
Reparem como há uma similitude na caracterização de todos os fracassados representados pela ficção e pela arte , em geral.Um exemplo simples:Charlie Brown, o garoto fracassado do desenho homônimo e George Constanza, o neurastênico derrotado do seriado "Seinfeld’’. Se fizermos um exercício de projeção não seria muito difícil concluir que Charlie Brown poderia facilmente ser a representação da infância de George Constanza.Brown, um garoto azarado, aéreo, subjugado,após os prováveis traumas de adolescência e juventude, não estaria muito distante da neurose e dos chiliques de um Constanza em idade adulta.Em suma, há um certo padrão alegórico nos fracassados carismáticos, que pode nos remeter àquela velha idéia-equivocada, a meu ver- de que ‘’todos os homens são um homem só’’.Equivocada porque , apesar de haver semelhanças enormes entre um ser humano e outro, há sutis diferenças que justamente definem o que chamamos de personalidade;sutis diferenças que separam a beleza da feiúra, a inteligência da ignorância, o sucesso do fracasso. O barro é o mesmo, mas a formatação varia de acordo com a vasilha.Estas mesmas sutis diferenças são por vezes tão sutis que quase não percebemos o quanto pode haver de sucesso em um fracasso.Que o digam Allen, Chaplin, Constanza, Brown e Cristo, só para citar alguns dos nossos mais caros ‘’fracassados’’.