Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

segunda-feira, abril 03, 2006




Em tempos modernos, em que pontificam os pós-modernismos, pós-estruturalismos, descontrutivismos, teorias cognitivas e sistêmicas da literatura, da arte, da ciência, do universo, novas tecnologias, mídias digitais, experimentos criativos verbais, sonoros e visuais em linguagem high-tech, a obra de Saramago nos evoca ainda o velho contador e histórias, ao pé da fogueira ritual ou da lareira doméstica, em noites européias de inverno ou noites tropicais sem lareiras, a tecer, com voz e o corpo, enredos fantásticos ou a transformar, com a magia do verbo e da voz, as miudezas e os pequenos gestos do cotidiano em momentos epifânicos reveladores, pondo a nu heroísmo e fantasmas insuspeitos e recônditos no âmago do ser humano, deflagrando sonhos, pondo em cena nosso teatro interior, estimulando-nos a trazer à luz os anjos e demônios que nos habitam.
Se fala de ambigüidades, não se pode deixar de mencionar a que se estabelece num terreno misterioso: o da fé religiosa. Saramago crê, finge crer ou não crê, absolutamente? Não deixa de ser significativa a citação que um dos textos faz de uma fala do autor, sobre O Evangelho segundo Jesus Cristo: “ Para mim, ateu, como para um crente, a questão da relação do homem com Deus é importante. È esta relação básica, essencial, radical, que eu ponho em causa neste livro”. Daí, as referências que o autor faz aos lapsos, encontráveis na obra do escritor, em que ele deixa escapar sua fé.