Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Esboços de uma teologia particular

Resolvi meu problema religioso.Não sendo completamente ateu nem completamente religioso, concluí que o melhor para mim seria mesmo fundar uma religião própria, uma Igreja de um só fiel que seria eu mesmo.Como Borges já dizia que teologia é um ramo da literatura fantástica, elaborei minha própria fantasia.
Não é capricho meu, acreditem , mas uma necessidade vital, visto que não consigo de todo expurgar meus fantasmas de influências religiosas de minha infância.Sério, até hoje não consigo evitar um certo sentimento de culpa por não mais frequentar missas ao Domingo e pior:não consigo evitar uma culpa maior ainda por ter frequentado algumas missas no passado só para ficar de olho em umas menininhas que povoavam meu imaginário , ahn, digamos assim, ‘’pagão’’.Todo isto somado ao meu sentimento de ignorância por frequentar estas mesmas missas e haver um dia acreditado que Deus era um velho barbudo que compartimentava padrões e comportamentos em escalas classificatórias que enquadravam os participantes em céu, inferno e purgatório.
Bem, vamos aos princípios de minha crença, ou melhor, de minha teologia : chupada em grande parte de minhas influências cristãs, construí minha religião de uma maneira mais ou menos similar ao cristianismo, com algumas dissonâncias e discrepâncias da carolice tradicional.Deus é amor, certo? Claro, mas há que se perceber o que exatamente é o amor.Se houve uma criação do universo, então lógico que está embutido aí todo um ato de amor, como o amor de uma criança ao criar um brinquedo, um jogo particular.Mas este amor envolve tanto doação quanto contemplação um tanto mórbida, como quando uma criança bota uns soldadinhos para brigarem entre si.Deus teria criado tudo ao seu bel prazer,e, numa jogada de mestre, teria dado suposta liberdade aos seus ‘’criados’’ de fazerem o que bem entenderem, inclusive se matarem.Neste negócio lúdico, a liberdade foi tamanha que foi criado inclusive o próprio alter ego divino, o diabo(uma espécie de subconsciente ''sujo'' de Deus, criado por ele mesmo às gargalhadas), ou, mais esmiuçadamente, a ausência divina, a ausência do amor, que é justamente a perda do sentimento de complacência com o que nos envolve.
Este sentimento de complacência é o que definiria este amor.Não só um sentimento amoroso piegas de doação, mas de entrega absoluta ao que nos cerca, inclusive ao sofrimento.Sim, meus caros, amor também pressupõe um sentimento de um certo masoquismo sofisticado, em que você deve amar não só quem te ama e quem você já ama por afinidades eletivas, mas também estar aberto e aceitar o diferente,inclusive o chato do vizinho que gosta de pagode e axé music.Deve-se amar , de maneira mórbida, inclusive a própria rejeição, o ‘’não- amor’’ daquela que o rejeitou.
Amor, amor de fato, é esquizofrênico. Senão, como definir o amor de Jesus Cristo, que se deixou matar e torturar por um sentimento de amor a todos e a qualquer um? O ícone do crucificado é perfeito.O ser humano em seu esquartejamento metafísico, estirado para os quatro cantos:para cima, para o que transcende; para baixo, para o material, para os pés no chão, para a solidez pragmática de seu amor sado-masoquista e prazeiroso; e para os lados, na forma de um abraço complacente a tudo e a todos,um abraço ao mesmo tempo em forma de doação e sacrifício, em forma de tortura e de prazer.E ainda querem me dizer que o amor não é um sentimento sado-masoquista? Ora...
Pois muito bem, este mesmo abraço remete a um abraço que envolveria o próprio corpo, uma vez que abraçar a humanidade inteira é abraçar a si mesmo também.Deus seria cada um de nós, pressupondo-se que o sentimento amoroso da criação estaria embutido em cada vontade, em cada desejo, em cada acerto ou erro nosso.Adorar a Deus, uma entidade abstrata e criada por nós mesmos, seria uma atividade de fundo narcisista, de adoração a nós mesmos.Mas trata-se aqui de um narcisismo coletivo, sendo que todos são um e um são(somos) todos.Então, o amor seria uma sublimação da escolha, uma superação de preferências e uma aceitação das diferenças e adversidades, sendo que esta aceitação não implicaria exatamente em uma aceitação apática.Deve-se lutar contra a mediocridade e as injustiças, mas deve-se ser complacente ao mesmo tempo com o mundo tal qual ele se nos apresenta. Esta seria , no fundo e na superfície, a vontade de nosso todo-poderoso, criado à nossa imagem e semelhança, que em seguida nos criou para sermos seus- e nossos- brinquedos a um só tempo.