Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Sem Dulcinéia

Não tenho saudades de nada nem de tempo nenhum.Tenho inclusive uma certa inveja daquele sentimento proustiano de perceber o passado inteiro através do gosto de um biscoito molhado no chá.Muito sofisticado e lírico e tal, mas os sabores que me remeteriam a tempos remotos são repetidos ad nauseum, uma vez que, até hoje, não vou muito além do café e cigarros.O passado apenas se descortina diante de mim tal e qual uma possibilidade desperdiçada ou mal aproveitada.Só me lembro de alguma coisa para em seguida me arrepender dela.Benditos os mentirosos que dizem que nunca se arrependeram.Eu me arrependo até de ter nascido às vezes.
Além desta falta de saudosismo e deste arrependimento permanente, ainda me sobrevêm sentimentos mesquinhos de vingança póstuma.Por exemplo, minha primeira paixão de adolescente com quem troquei(ou partilhei?) meu primeiro beijo.Tudo muito bonitinho até ela me trair com um primo meu.Pois bem.Qual não foi minha agradável surpresa ao vê-la, anos depois, balofa com dois filhos horrendos passeando pela cidade e o tal primo infame, por sua vez., casado com uma senhorita tão cafona e horrenda que faria Yoko Ono saltitar de vaidade.
O passado sempre me vem retalhado de erros, confusões , incompreensões.Quanto mais longínqua minha memória, mais forte a impressão de que eu me comportava como idiota.Pior:a impressão-mais terrível ainda- de que eu me dava com e admirava gente que hoje considero patética.Tenho, por exemplo, e ao contrário de noventa por cento da humanidade, pânico, pavor e horror da minha infância.A dependência intelectual é a pior das prisões possíveis.Toda criança é , por definição, uma imbecil prisioneira de seus tutores.E a fase seguinte, a adolescência, consegue ser ainda pior.Não tendo suficiente estrutura intelectual para se perceber dentro do mundo e achando que já tem esta estrutura, o adolescente parece uma gelatina, um amálgama de posições conflitantes que já se julga ciente de si.Todo adolescente é um coitado chato ou alguém que, por excesso ou falta de opiniões, nunca sabe o que dizer ou sempre diz o que não devia no momento errado.Tudo isto sem contar as espinhas e as roupas pavorosas.
Gosto mais um tiquinho de quem eu sou hoje em dia.Mas talvez seja ilusão.Possivelmente daqui a alguns anos ,me julgarei tão imbecil quanto agora julgo quem eu fui no passado.Bem, mas isto é preocupação do futuro.Já bastam o presente e o passado para me atormentarem.