Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Custos e benefícios temporais de uma paixão

Tempos atrás li na revista Time que a paixão durava em média uns quatro anos;agora me chega uma pesquisa dizendo que um tal hormônio ou substância que nutre a paixão dura um só minguado ano.Sinal dos tempos em que muito trabalho e pouco espaço para o lazer não dão canja a sentimentos mais duradouros.Enfim, como se diz o clichê, troca-se paixão por amor, companheirismo, amizade e estes outros sentimentos mais comezinhos e bem menos emocionantes, sem prejuízo da funcionalidade e da estabilidade do indivíduo.
Mas o clichê é de fato superficial e, com excusas da redundância proposital, clicheresco mesmo.Por companheirismo, pode-se ler preguiça.Ninguém tem saquitel suficiente para trocar de paixão todo ano.Até porque se apaixonar é relativamente viável, já tornar-se alvo da paixão pelo seu objeto de paixão é bem mais complicado.Vejam bem, odiar é bem mais tranquilo, uma vez que seu ódio independe dos sentimentos da criatura odiada.Se apaixonar por e amar alguém o torna presa do objeto amado e aí está a nhaca estabelecida.Não acredito nem que a vaca tussa em paixão milimetricamente igual, equânime entre os entes passionais.Há sempre alguém que ama mais que outro alguém em um casal;há sempre uma dose de rejeição implícita até em relacionamentos de mútua afeição.Estabelecer esta assimetria por anos é um fardo meio cansativo, não? Mas que diabos fazer? Dar uma de poeta romântico e sair à caça de paixões fulminantes a duas por uma? Virar adepto da misoginia e do onanismo sentimental?A rigor, as demais opções não necessariamente comportam melhores resultados do que se entregar à preguiça e aproveitar delicadamente a assimetria de correspondências amorosas e sentimentais e a decadência de sentimentos em relação ao progressivamente nem tanto ente amado.
A garantia é que nunca se concebe bem o tempo desta decadência natural do sentimento amoroso .Sim, sim, há toda esta história de que, ao contrário da paixão, o amor é eterno, mas nunca se discutiu a fundo estas sucessivas metamorfoses porque passam o nobre sentimento(Amor sem sexo e sem paixão? Não é mais ou menos o que você sente por sua mãe?...).E se apaixonar e sucessivamente amar dá trabalho.Manter uma relação em bases sólidas de diálogo;em bases econômicas;em bases de balanceamento de idiossincrasias e neuroses conflitantes, é para lá de custoso.E com este imbróglio todo que implica a manutenção de um sentimento que naturalmente irá decair, por que não trocar esta garantia de uma suave decadência pelo turbilhão de se apaixonar sucessivas vezes?Questões de pesos e medidas que vão depender de cada amador passional.No fundo e na superfície também, tudo é complicado, até mesmo ficar parado sem fazer nada e não amar nada nem ninguém ou amar sucessivas vezes.Figura utópica e mais tranquila mesmo(embora tenha uns relances de tara também) talvez seja o amor abstrato pela humanidade inteira, como fazem os padres, que não correm o risco de uma rejeição direta ou da visibilidade a olho nu da decadência de um sentimento.Mas, como já disse, a figura é utópica e o sentimento é abstrato, porque o precursor dos abatinados tentou amar a humanidade inteira de fato e deu no que deu: rejeitado por quase todo mundo e pregado na cruz.A resposta amorosa e passional a Ele veio postumamente, ou eternamente, segundo os mais etéreos.Mas nós , criaturas mais vulgares, sem aspirações a santidade nem a amor coletivo preferimos uma coisa mais tête a tête, ainda que a tal coisa vá se esvaindo aos poucos ou possa ser trabalhosamente renovada de tempos em tempos.Amar o(a) próximo(a) como a ti mesmo.Sim, mas(no meu caso, ao menos) amar algumas próximas específicas com maior vigor, amando uma de cada vez enquanto a coisa dura. Que, no sentido material do termo, amor coletivo é suruba.