Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

terça-feira, janeiro 03, 2006

Festa
Celebremos o tempo perdido
o hiato lânguido que nos alivia da tentativa
Celebremos a fuga que nos indica
o caminho alentador ao regresso uterino
Celebremos o nada que nos consola de quase tudo:
sono infértil que fertiliza o sonho

Celebremos a dor que nos desvia da inconsciência
cicatriz mal curtada que nos desconsola
banhando de fel nossa placenta protetora
Celebremos a mágoa que revigora nossa queda
e nos torna aptos a desmoronar dignamente
Celebremos cada lágrima alcalina que salga nosso sorriso estéril

Celebremos a pausa de um prazer em perspectiva
ilusão palpável que nos torna entretidos
o suficiente para cultivarmos nossa prudência

Celebremos o esgarçamento da verdade
o corte transversal do fato
a apologia edificante de uma mentira necessária

Celebremos quem nos oprime
aquele que nos torna menos afeitos
ao nosso mesmo caráter opressor
Celebremos a injustiça que nos redime
de nossa defaçatez entranhada

Celebremos nossa estupidez estratificada
que nos cura da pretensão de legibilidade
Celebremos o avesso
que desanuvia o tédio de nosso reflexo

Celebremos de olhos fechados nossa espiral descendente
nossa cegueira inexorável que nos descansa da revelação:
o contrário de uma imagem distorcida que corresponderá
a outro fim sem princípio definido

E antes do descanso, celebremos o cansaço
Celebremos sobretudo o peso insustentável
de nosso corpo em movimento
O mesmo que nos sustenta e nos mantém de pé
Celebremos pois este paradoxo de permanência.