Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

segunda-feira, junho 05, 2006

Superfícies e profundezas

O Brasil é o paraíso da superfície. Não à toa grassam entre nossos supostos talentos literários um sem número de cronistas que agora têm um novo recrudescimento com o surgimento dos blogs. Figurinhas blasé, dândis que pregam uma atitude indiferente, ao mesmo tempo irônicos e iconoclastas.
A problema é o balanço entre ironia e iconoclastia. Uma certa porção de culhões é necessária para se tentar destruir algo e se tornar de fato um iconoclasta ou coisa do tipo. Por falta de substância-e de culhões-nossos neocronistas virtuais carregam nas doses da ironia, aceitando tacitamente um estado de coisas como elas são: ruins mesmo, enquanto esta casta privilegiada de escribas potencialmente usufruiriam de uma visão beatífica da estética universal. Bah.
Ah, não se enganem: o contrário também existe e é tão ou mais tedioso quanto o fenômeno dos dândis internéticos. Há também os frutos da sempre popular e populosa intelligentsia nacional: os filhos da esquerda festiva. Revolucionários de botequim que vestem camisetas de che guevara e querem conceber e realizar a revolução socialista nos dias de hoje.As palavras de ordem são sempre as mesmas: luta contra as desigualdades, contra a fome, contra a injustiça social e patati patatá.
Pois bem: o que une estes grupos aparentemente tão diversos ? A superficialidade mesma. São todos oriundos (embora os blasé se finjam por vezes críticos deste viés) da crônica brasileira: esta mania tupiniquim de tentar embutir teses sociais, metafísicas e filosofias em uma conversa de mesa de bar.
Você, desconfiado leitor, deve agora estar se perguntando que diabos este escribinha que vos fala está a meter o tacape na própria raça. Não seria ele um destes frutos do croniquismo brasileiro também? Talvez sim, em parte.Mas quem é que disse que esta mania de superficialidade é necessariamente ruim? Pode ser chata e o é na maioria das vezes, porque a maiorias dos cronistas crônicos, sejam eles de internet ou não, não tem talento, ou são visceralmente enfadonhos mesmo.
O fato é que nada tenho de substancial contra a superficialidade em si, desde que a dita cuja seja bem arquitetada e resvale num certo aprofundamento, só para que o leitor não se afogue no tédio de uma poça rasa de julgamentinhos sem estrutura.E, de resto, a maioria das profundezas da literatura e mesmo das relações humanas são em essência superficiais. Talvez profundo mesmo seja o sujeito que saiba tirar da superfície um extrato do que seria a essência(ou a falta de essência) da humanidade.Uma leitura mais atenta e acurada de um Proust ou mesmo de um Shakespeare revela exatamente isto.
Ser superficial na forma e profundo na superfície é uma equação não muito afeita à maioria das pessoas que escrevem ou tentam escrever. Por isto mesmo há escritores e pessoas que escrevem. A questão particular no Brasil é que há gente que intencionalmente quer se fazer de superficial para ser profundo e consegue exatamente apenas o primeiro intuito. Em outras palavras: alguém uma vez disse de Oscar Wilde que quanto mais frívolo ele parecia ser, mais profundo ele era. Alguns escribinhas tupiniquins, por mais frívolos que parecem, mais frívolos conseguem ser de fato.