Como no caso de química e física na minha infância, não odeio o futebol em si.Tenho preguiça dele.A minha birra é com os passionais de plantão. Jornalistas, filósofos, motoristas de táxi, lavadeiras, garçons, todo mundo da nação nambiquara enfim se junta e de repente faz soar um único coro comum de adoradores e comentadores do esporte bretão. É o ápice da democracia em seu pior aspecto: a ditadura do gosto médio da maioria.Até mesmo artistas e intelectuais sucubem à moda.
O futebol de súbito vira uma quitanda de sublimação coletiva para delírio de Freud na tumba.Um certo amigo meu, que é ateu, desconta sua falta de adoração religiosa no culto às chuteiras dos marmanjos.Não por acaso, eu o considero a metáfora maior que talvez simbolize as idiossincrasias que formam um todo de uma paixão coletiva.Afora a religião, que já é um substitutivo (talvez até necessário) de muita coisa no corolário das neuroses humanas, o futebol substitui um sem número de carências humanas e sociais: financeira, afetiva, sexual e patati patatá.Este meu amigo, sujeito culto e inteligente, conseguiu a proeza de substituir uma substituição por outra substituição.Sublima ao quadrado e ad infinitum suas carências metafísicas por uma outra sublimação tamanho família popular. É Freud e Schopenhauer fazendo a festa em uma pelada no além...
Mas o que me espanta é que o futebol mesmo é um jogo muito parecido com a vida em si para se tornar um substitutivo feérico da realidade: é um jogo aborrecido, na maioria das vezes de poucos ápices (gols), em que não necessariamente sempre o melhor ganha (na vida real, a coisa é inversamente proporcional) por razões do esquema de regras esquisitas do próprio jogo em si.Seria o futebol um apelo masoquista sublimador, como a arte? Sei lá eu.Eu é que não troco uma sinfonia de Beethoven ou uma peça de Shakespeare por uma partida de Brasil e Croácia com placar de um a zero.Neurose sublimatória por neurose sublimatória, prefiro as minhas, mais pedantes e sofisticadas e não impostas pelo senso comum.No meu time de sublimações, o futebol não entra nem como reserva.