Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares: dezembro 2005

terça-feira, dezembro 27, 2005

Poema lasso

Preguiça.De erguer o corpo, lutar contra a gravidade
preguiça de acordar ou de concretizar o sono definitivo
preguiça de estender a mão, de tomar posse da doação
preguiça de nada receber a troco de coisa alguma
preguiça de descortinar o óbvio de obstruir o obtuso
preguiça de mentiras fáceis e verdades extenuantes
preguiça do tempo perdido e gasto em perdas concretas
preguiça de ações objetivas esmaecendo sonhos lânguidos
preguiça de planos, linhas retas tediosas
preguiça de curvas enviesando caminhos já tortos
preguiça de fadigas e cansaços recorrentes

Preguiça da expectativa do fim do dia
que compreende um amanhã desapercebido
Preguiça do ponto final
que dará margem a um novo parágrafo
Preguiça de demarcar um fim, de concretizar um princípio
preguiça de, por fim, começar.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Sem Dulcinéia

Não tenho saudades de nada nem de tempo nenhum.Tenho inclusive uma certa inveja daquele sentimento proustiano de perceber o passado inteiro através do gosto de um biscoito molhado no chá.Muito sofisticado e lírico e tal, mas os sabores que me remeteriam a tempos remotos são repetidos ad nauseum, uma vez que, até hoje, não vou muito além do café e cigarros.O passado apenas se descortina diante de mim tal e qual uma possibilidade desperdiçada ou mal aproveitada.Só me lembro de alguma coisa para em seguida me arrepender dela.Benditos os mentirosos que dizem que nunca se arrependeram.Eu me arrependo até de ter nascido às vezes.
Além desta falta de saudosismo e deste arrependimento permanente, ainda me sobrevêm sentimentos mesquinhos de vingança póstuma.Por exemplo, minha primeira paixão de adolescente com quem troquei(ou partilhei?) meu primeiro beijo.Tudo muito bonitinho até ela me trair com um primo meu.Pois bem.Qual não foi minha agradável surpresa ao vê-la, anos depois, balofa com dois filhos horrendos passeando pela cidade e o tal primo infame, por sua vez., casado com uma senhorita tão cafona e horrenda que faria Yoko Ono saltitar de vaidade.
O passado sempre me vem retalhado de erros, confusões , incompreensões.Quanto mais longínqua minha memória, mais forte a impressão de que eu me comportava como idiota.Pior:a impressão-mais terrível ainda- de que eu me dava com e admirava gente que hoje considero patética.Tenho, por exemplo, e ao contrário de noventa por cento da humanidade, pânico, pavor e horror da minha infância.A dependência intelectual é a pior das prisões possíveis.Toda criança é , por definição, uma imbecil prisioneira de seus tutores.E a fase seguinte, a adolescência, consegue ser ainda pior.Não tendo suficiente estrutura intelectual para se perceber dentro do mundo e achando que já tem esta estrutura, o adolescente parece uma gelatina, um amálgama de posições conflitantes que já se julga ciente de si.Todo adolescente é um coitado chato ou alguém que, por excesso ou falta de opiniões, nunca sabe o que dizer ou sempre diz o que não devia no momento errado.Tudo isto sem contar as espinhas e as roupas pavorosas.
Gosto mais um tiquinho de quem eu sou hoje em dia.Mas talvez seja ilusão.Possivelmente daqui a alguns anos ,me julgarei tão imbecil quanto agora julgo quem eu fui no passado.Bem, mas isto é preocupação do futuro.Já bastam o presente e o passado para me atormentarem.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Cigarros
A solidão é meu cigarro. Não sei de nada e não sou de ninguém. Eu entro no meu carro e corro. Corro demais só pra te ver meu bem. Um vinho, um travo amargo e morro. Eu sigo só porque é o que me convém. Minha canção é meu socorro. Se o mar virar sertão, o que é que tem? Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem...Quem saberá a cura do meu coração senão eu? Não creio em santos e poetas. Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu. Melhor é dar razão a quem perdoa. Melhor é dar perdão a quem perdeu. O amor é pedra no abismo. A meio passo entre o mal e o bem. Com meus botões a noite cismo. Pra que os trilhos, se não passa o trem? Os mortos sabem mais que os vivos. Sabem o gosto que a morte tem. Pra rir tem todos os motivos. Os seus segredos vão contar a quem? Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem. Quem saberá a cura do meu coração senão eu? Não creio em santos e poetas. Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu. Melhor é dar razão a quem perdoa. Melhor é dar perdão a quem perdeu.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Gim com Bells - Pérolas reais de um "natal" Antariano.
Próximo ao Natal, Wandergleydson, um garotinho flamenguista de oito anos, resolveu escrever uma carta para o Papai Noel pedindo uma bicicleta...
"Papai Nuel, fui um óstimo minino esti ano, ajudei meu pai, minha maie,até meu irmaozinhu... quero uma bicicreta".Então parou e pensou:
- Ele num vai acreditá, vo refaze a carta.
"Papai Nuel, sei que nao fui muito bao este ano, mas achu qui ainda meressu uma bicicreta".Não satisfeito, ele joga a carta fora, vai até o presépio, pega a imagem de Maria, coloca dentro do sapato e escreve o seguinte:"Jesus, se liga na situação... tô com tua mãe... véio!, a treta é a seguinte.....se quiser ve tua véia di novu, manda Papai Nuel mi dá uma magrela sinão o bicho vai pegá pro lado da coroa.
Ass:Vandergreidsson

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Louvor

Abençoada a desgraça
que nos permite melhor perceber a Graça

Bendito o desgosto
que nos incita ao definitivo gosto

Bemvindo o desencanto
que nos descortina a real utopia

Louvadas as cores contrastantes
que misturadas concebem o mesmo branco.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Custos e benefícios temporais de uma paixão

Tempos atrás li na revista Time que a paixão durava em média uns quatro anos;agora me chega uma pesquisa dizendo que um tal hormônio ou substância que nutre a paixão dura um só minguado ano.Sinal dos tempos em que muito trabalho e pouco espaço para o lazer não dão canja a sentimentos mais duradouros.Enfim, como se diz o clichê, troca-se paixão por amor, companheirismo, amizade e estes outros sentimentos mais comezinhos e bem menos emocionantes, sem prejuízo da funcionalidade e da estabilidade do indivíduo.
Mas o clichê é de fato superficial e, com excusas da redundância proposital, clicheresco mesmo.Por companheirismo, pode-se ler preguiça.Ninguém tem saquitel suficiente para trocar de paixão todo ano.Até porque se apaixonar é relativamente viável, já tornar-se alvo da paixão pelo seu objeto de paixão é bem mais complicado.Vejam bem, odiar é bem mais tranquilo, uma vez que seu ódio independe dos sentimentos da criatura odiada.Se apaixonar por e amar alguém o torna presa do objeto amado e aí está a nhaca estabelecida.Não acredito nem que a vaca tussa em paixão milimetricamente igual, equânime entre os entes passionais.Há sempre alguém que ama mais que outro alguém em um casal;há sempre uma dose de rejeição implícita até em relacionamentos de mútua afeição.Estabelecer esta assimetria por anos é um fardo meio cansativo, não? Mas que diabos fazer? Dar uma de poeta romântico e sair à caça de paixões fulminantes a duas por uma? Virar adepto da misoginia e do onanismo sentimental?A rigor, as demais opções não necessariamente comportam melhores resultados do que se entregar à preguiça e aproveitar delicadamente a assimetria de correspondências amorosas e sentimentais e a decadência de sentimentos em relação ao progressivamente nem tanto ente amado.
A garantia é que nunca se concebe bem o tempo desta decadência natural do sentimento amoroso .Sim, sim, há toda esta história de que, ao contrário da paixão, o amor é eterno, mas nunca se discutiu a fundo estas sucessivas metamorfoses porque passam o nobre sentimento(Amor sem sexo e sem paixão? Não é mais ou menos o que você sente por sua mãe?...).E se apaixonar e sucessivamente amar dá trabalho.Manter uma relação em bases sólidas de diálogo;em bases econômicas;em bases de balanceamento de idiossincrasias e neuroses conflitantes, é para lá de custoso.E com este imbróglio todo que implica a manutenção de um sentimento que naturalmente irá decair, por que não trocar esta garantia de uma suave decadência pelo turbilhão de se apaixonar sucessivas vezes?Questões de pesos e medidas que vão depender de cada amador passional.No fundo e na superfície também, tudo é complicado, até mesmo ficar parado sem fazer nada e não amar nada nem ninguém ou amar sucessivas vezes.Figura utópica e mais tranquila mesmo(embora tenha uns relances de tara também) talvez seja o amor abstrato pela humanidade inteira, como fazem os padres, que não correm o risco de uma rejeição direta ou da visibilidade a olho nu da decadência de um sentimento.Mas, como já disse, a figura é utópica e o sentimento é abstrato, porque o precursor dos abatinados tentou amar a humanidade inteira de fato e deu no que deu: rejeitado por quase todo mundo e pregado na cruz.A resposta amorosa e passional a Ele veio postumamente, ou eternamente, segundo os mais etéreos.Mas nós , criaturas mais vulgares, sem aspirações a santidade nem a amor coletivo preferimos uma coisa mais tête a tête, ainda que a tal coisa vá se esvaindo aos poucos ou possa ser trabalhosamente renovada de tempos em tempos.Amar o(a) próximo(a) como a ti mesmo.Sim, mas(no meu caso, ao menos) amar algumas próximas específicas com maior vigor, amando uma de cada vez enquanto a coisa dura. Que, no sentido material do termo, amor coletivo é suruba.