Toma um fósforo acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que te afaga, é a mesma que te apedreja. Se alguém causa ainda pena a tua chaga apedreja essa mão vil que te afaga, escarra na boca que te beija! RE-Incidente em Antares

domingo, julho 09, 2006

Tudo é da minha conta
Discrição é um mito. Porcamente fabricado.Manipulado por gentinha sem grandes ambições de espírito e escassos de virtudes. Ora, se, como dizem os gnósticos, tudo é manifestação divina, ou, como dizem os ''quânticos'', toda a matéria se coaduna, então tudo é da minha conta, desde a derrota de Napoleão em Waterloo ao problema de ejaculação precoce de um vizinho. Todos os assuntos, todas as pequenezas, grandezas, minudências, particularidades da vida alheia são do meu interesse. E quem é que vai mensurar aquilo que é ou não do interesse coletivo? Um indivíduo? O Senso comum? Prefiro meu próprio escrutínio, me basear em minhas idiossincrasias a confiar nas idiossincrasias pseudonormais do populacho que faz apologia ao ‘’apelo universal’’’. Prefiro o meu universozinho particular, uma vez que o Joseph Campbell já dizia que o universo conspira a meu favor.
Transformei-me em jornalista para isto mesmo: para dar uns ares de sofisticação à minha mania obsessiva de revirar aquilo que os socialmente corretos dizem não me dizer respeito. Mas até no jornalismo descobri, para meu desgosto, regrinhas éticas elementares do ''Zé povinho do interesse comum''. A questão é que se me dizem que o negócio não me diz respeito, aí é que eu me interesso mesmo. É de uma simplicidade freudiana elementar, percebem? A vida sexual alheia, o mau hálito do meu inimigo, a sarna secreta de um conhecido, a falha dentária da musa do telejornal, tudo é matéria do meu interesse. Eu, pedante contumaz, aprendiz de literato, acredito que a base de toda a literatura, e , por conseguinte, de todas as demais artes, é mesmo o fuxico, a curiosidade patológica sobre os detalhes sobre tudo e qualquer coisa que nos cerca.Por que fazer um poema sobre um pôr do sol ou sobre o canto do bem-te-vi, se se pode construir uma epopéia sobre a suposta infidelidade da mulher de Ulisses?A arte é a prova absoluta que só o fuxico e a indiscrição produzem maravilhas na história da humanidade.Arte discreta é coisa de árcades pós-enrustidos. Homero já sacava muito bem deste prazer encantador que é meter o bedelho na vida alheia e ainda foi bem copiado por Joyce, o fuxiqueiro pós-moderno.
A indiscrição tem inclusive um certo mérito de pesquisa empírica, de desbravamento, de aventura e heroísmo pessoal.Só um virtuoso de fato tem méritos suficientes para ser um bom fuxiqueiro e desbaratar o universal naquilo que aparentemente não é da conta de ninguém, e que, no fim das contas, se transforma nos mais augustos interesses da arte, e, por conseguinte de novo, da humanidade.Só os heróis se metem na vida alheia e fuxicam.Os medíocres e comezinhos espiam discretamente, pisando delicadamente em ovos, para não perturbarem a vida privada do vizinho broxa.